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As ideias defendidas nos artigos publicados neste Blog são de responsabilidade dos autores e não necessariamente refletem a posição institucional da Auditece.

 

Publicado em: 25/08/2025

A Ciência Tácita e o Domicílio Tributário Eletrônico (DTE) do IBS: Um Retrocesso Burocrático da Reforma Tributária?

Maykon Taveira Eccard*

A Lei Complementar 214/2025, que institui o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), e o Domicílio Tributário Eletrônico (DTE) como principal meio de comunicação entre o Fisco e o contribuinte, representa um avanço tecnológico na administração tributária.

No entanto, a regulamentação do Domicílio Tributário Eletrônico, baseada nos artigos 332 e 333 da referida lei, omite um elemento fundamental para a eficiência e a modernização do sistema: a previsão da ciência tácita ou automática. Essa ausência, em contraste com a legislação de outros entes federativos e a jurisprudência consolidada sobre o tema, levanta sérias preocupações sobre a eficácia do novo modelo de fiscalização e o risco de um retrocesso burocrático.

A ideia de que a comunicação eletrônica substitui as formas tradicionais de publicação oficial é um pilar da informatização dos processos administrativos e judiciais.

No âmbito federal, por exemplo, o Decreto nº 70.235/1972, que rege o processo administrativo fiscal, já prevê a intimação por meio eletrônico e estabelece que esta se considera realizada 15 dias após a data registrada no comprovante de entrega no domicílio tributário do sujeito passivo. Da mesma forma, a Lei nº 11.419/2006, que dispõe sobre a informatização do processo judicial, considera a intimação automaticamente realizada no décimo dia corrido após o envio, caso o intimado não acesse a sua caixa de mensagens.

O Domicílio Judicial Eletrônico, regulamentado pela Resolução CNJ nº 422/2022, reforça a tendência de se estabelecer um prazo de ciência tácita. Para citações eletrônicas, se não houver acesso em até três dias úteis, o sistema gera a informação de ausência de citação. No caso de pessoas jurídicas de direito público, a ausência de consulta em até dez dias corridos após o envio da citação eletrônica leva à presunção de citação automática. Para intimações pessoais, o prazo de ciência também é de dez dias corridos a partir do envio.

Este mecanismo, amplamente conhecido como ciência tácita, garante a celeridade processual e impede que o desconhecimento intencional ou negligente do contribuinte paralise o andamento dos procedimentos.

Analisando a legislação de outros estados, como Ceará e Mato Grosso, a relevância da ciência tácita fica ainda mais evidente. No Ceará, a Lei nº 16.737/2018 e o Decreto nº 34.059/2021 estabelecem que a ciência da comunicação no Domicílio Tributário Eletrônico (DTE) será considerada realizada em 10 dias corridos a partir da data de entrega da mensagem, caso o contribuinte não a acesse antes. O DTE cearense é uma plataforma online que centraliza a comunicação de atos administrativos, como autos de infração e decisões do Contencioso Administrativo Tributário (CONAT), e sua utilização é obrigatória para determinados contribuintes. Da mesma forma, em Mato Grosso, o Decreto nº 1.331/2018, que regulamenta a Lei nº 10.605/2017, considera a comunicação realizada no prazo de 10 dias úteis, contados da data de envio ao DTE, dispensando a publicação em Diário Oficial ou o envio postal.

A ausência de uma regra clara para a ciência tácita na legislação do DTE do IBS, conforme os artigos 332 e 333 da Lei Complementar 214/2025, pode gerar insegurança jurídica e ineficiência. Sem um prazo máximo para que o contribuinte acesse a comunicação, a administração tributária pode ficar refém da sua iniciativa, prejudicando a comunicação eficiente, atrasando a cobrança de débitos e a fiscalização. A Lei Complementar 214/2025, em outros dispositivos, demonstra a intenção de agilizar a administração fiscal, por exemplo, ao determinar que os processos administrativos tributários sejam realizados em meio eletrônico e que a apuração do imposto pelo contribuinte constitua confissão de dívida. Contudo, a ausência da ciência tácita no DTE cria um gargalo no início do processo, prejudicando a celeridade e a efetividade das ações do Fisco.

A crítica ao legislador, nesse caso, não se baseia apenas na inconsistência técnica, mas também na percepção de uma possível motivação política. A exclusão da ciência tácita do DTE do IBS, um sistema que se pretende moderno e unificado, levanta a questão: por que o legislador optaria por uma abordagem mais lenta e menos eficiente, que já foi superada em outras esferas? Uma hipótese é que a decisão tenha sido tomada para evitar conflitos com grupos de interesse que se beneficiariam de um sistema menos automatizado e mais propenso a atrasos. A ciência tácita, ao impor um prazo-limite para a leitura das comunicações, elimina a possibilidade de "se fazer de desentendido" e adiar o cumprimento de obrigações. Ao excluir essa prerrogativa, o legislador pode ter cedido a pressões para manter uma margem de manobra para os contribuintes, mesmo que isso comprometa a eficiência do sistema como um todo.

A solução para esse problema é a inclusão, na legislação do DTE do IBS, de uma regra semelhante àquelas já existentes nas legislações federal e estaduais e do judiciário. Um dispositivo que estabeleça um prazo para a consulta eletrônica, após o qual a comunicação seria considerada automaticamente realizada, alinharia a norma do IBS com as melhores práticas de modernização da administração pública. A adoção da ciência tácita é um passo fundamental para que o Domicílio Tributário Eletrônico do IBS cumpra seu papel de simplificar e desburocratizar a relação entre o Fisco e o contribuinte, garantindo a efetividade da cobrança e a agilidade da justiça fiscal.

 

Maykon Taveira Eccard*
Auditor Fiscal da Receita Estadual do Ceará. É especialista em Auditoria Governamental e Mestre em Economia. Membro do Conselho Gestor do Fundo de Incentivo à Eficiência Energética do Ceará.

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Reforma Tributária IBS DTE Tributação Administração Pública