Pular para o conteúdo principal

"Evolução dos Preços da Gasolina no Estado do Ceará (01/01/2021 a 31/08/2021)"

As ideias defendidas nos artigos publicados neste Blog são de responsabilidade dos autores e não necessariamente refletem a posição institucional da Auditece.

 

Publicado em: 11/10/2021

"Evolução dos Preços da Gasolina no Estado do Ceará (01/01/2021 a 31/08/2021)"

No decorrer deste exercício, nos deparamos com constantes aumentos nos preços dos combustíveis, mais precisamente na gasolina, havendo, inclusive, uma narrativa veiculada, por meio das mídias, de que o ICMS, principal imposto cobrado pelos estados, seria o influenciador dessas alterações de preços, consistindo, pois, no vilão da atual situação. Corroborando com esse entendimento, a Petrobras, principal refinador de petróleo do Brasil, está divulgando um vídeo no seu site (https://petrobras.com.br/pt/nossas-atividades/precos- de-venda-de-combustiveis/), e na plataforma Youtube¹, mencionando os esforços desenvolvidos na prospecção, produção e refino, bem como tentando demonstrar o preço praticado por ela enquanto refinaria, no entanto, destacando, com especial recorte que a incidência do ICMS afeta sobremaneira o preço da gasolina, tendo por base, apenas e tão somente, dados coletados no período de 29/08/2021 a 04/09/2021.

Há alguns dias, mais precisamente no dia 10/09/2021, a Procuradoria-Geral Estado do Rio Grande Sul em conjunto com mais 11 estados e o Distrito Federal (Pará, Maranhão, Sergipe, Piauí, Bahia, Amazonas, Pernambuco, Espírito Santo, Goiás, Amapá e Minas Gerais), ajuizou, em Brasília/DF, a Ação Civil Pública contra a Petrobras, alegando, entre outros fatores, a propaganda enganosa e solicitando a retirada da veiculação.

Por fazermos parte do quadro de servidores do serviço púbico estadual, atuando há muito tempo na área da administração tributária, especialmente no monitoramento e fiscalização do segmento dos combustíveis, por não concordar com as narrativas apresentadas, resolvemos externar, por intermédio desta nota, uma visão estritamente técnica sobre a matéria, abordando de forma bastante simplificada o modelo tributário em vigor, informando como efetivamente está ocorrendo a evolução dos preços da gasolina e esclarecendo como a incidência dos principais tributos, legalmente devidos sobre esse produto, influenciam o seu preço de venda, deste sua industrialização na refinaria de petróleo, até sua venda ao consumidor final, na bomba do posto de combustível.

Então, a presente nota técnica pretende passar ao largo dos termos rebuscados usualmente aplicados na legislação e na regulamentação, bem como, evitar aqueles termos específicos, normalmente, utilizados por todos os agentes que atuam no mercado dos combustíveis e adotar uma linguagem mais simples e direta que torne mais fácil o entendimento por qualquer cidadão/cidadã que se interesse pela leitura e conhecimento deste trabalho.

Inicialmente, é forçoso reconhecer que a cobrança de 29% sobre o preço final de qualquer produto não se traduz em carga tributária baixa, porém, sobre a gasolina, este percentual cuja denominação refere-se à alíquota do imposto, não é alterado constantemente no Estado do Ceará. Oportuno deixar registrado as duas últimas alterações ocorridas. A primeira em março de 2004, com a adição de 2% sobre a alíquota de 25%, vigente na época, para constituição do Fundo Estadual de Combate à Pobreza (FECOP), instituído pela Lei Complementar nº 37, de 26/11/2003 e a segunda em março de 2016 com a elevação de 27% para 29%, por meio da Lei nº 13.892, de 27/11/2015.

Portanto, se o Estado do Ceará, há mais de 5 anos e cinco meses não altera a carga tributária de ICMS incidente sobre a gasolina, como este imposto pode estar impactando o preço do produto? É o que tentaremos demonstrar a seguir.

(1. https://www.youtube.com/watch?v=6Gz_7rWCaNI&t=2s)

Normalmente, a gasolina percorre as seguintes etapas de comercialização:

1ª Etapa - industrialização na refinaria de petróleo e venda para a distribuidora de combustível com a denominação de gasolina “A”;

2ª Etapa - venda da distribuidora de combustível para o posto de gasolina, com a denominação de gasolina “C”, pois nesta etapa é adicionada, pelo distribuidor, o percentual de álcool anidro, atualmente fixado em 27% pelos órgãos reguladores do setor. Portanto, um litro de gasolina “C”, vendida no posto revendedor contém 73% de gasolina “A” com adição de 27% de álcool anidro.

3ª Etapa - venda do posto de combustível para o consumidor final.

Ademais, o preço da gasolina é formado pela composição dos seguintes itens:

  1. Preço de venda da refinaria. Valor que corresponde ao preço praticado pela refinaria quando realiza a venda da gasolina;
  2. Tributos federais. São cobrados de forma monofásica, ou seja, incidem somente uma vez por ocasião da venda da gasolina “A” na refinaria;
  3. Tributo estadual – ICMS. Este consiste em um imposto plurifásico, incidindo ao longo de toda cadeia produtiva, ou seja, cobrado em cada etapa de comercialização, porém, por ser não cumulativo, compensa-se o montante devido em cada etapa com o montante cobrado na etapa anterior, devido ao princípio constitucional da não-cumulatividade (CF, artigo 155, § 2°, inciso I). Como forma de simplificar e impor mais segurança a cobrança do ICMS, foi instituído o regime de substituição tributária na venda dos combustíveis, que consiste em cobrar na 1ª etapa (venda da refinaria) o ICMS devido nesta etapa e por substituição tributária o ICMS devido nas etapas posteriores até o consumidor final.

Assim, a substituição tributária permite a cobrança monofásica do ICMS, elegendo para tanto um contribuinte substituto (refinaria) que será o responsável pela retenção e pelo recolhimento de toda a carga tributária que incide ao longo da cadeia de comercialização. Desta feita, por meio da substituição tributária, estabeleceu-se que o pagamento da carga tributária de ICMS ocorra em etapa anterior àquela em que efetivamente ocorreria o fato ou fatos geradores futuros do tributo. O deslocamento da exigência do tributo devido para o início da cadeia de comercialização objetiva um maior controle das operações e minimiza possíveis casos de evasão fiscal.

Merece destacar que a parcela do ICMS devido por substituição tributária retido na 1ª etapa (venda refinaria), é calculada tomando por base o Preço Médio Ponderado a Consumidor Final (PMPF), estabelecido em ATO COTEPE e publicado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ, tendo como referência o preço constante nos cupons fiscais eletrônicos emitidos pelos postos de combustíveis; (LC 87/06, artigo 8°, § 4º);

Relevante mencionar também que o álcool anidro é comercializado sem a cobrança do ICMS, ocorrendo sua mistura à gasolina dentro da distribuidora de combustível, portanto, na 2ª etapa de comercialização. Por regra específica, a cobrança total do ICMS devido nos 27% de álcool anidro constante na composição da gasolina, está embutido na parcela relativa à substituição tributária retido na 1ª etapa (venda refinaria) e ajustada ao preço pago pelo consumidor final via PMPF.

  1. Custo operacional da distribuidora e despesa com álcool anidro, adicionado do seu lucro;
  2. Custo operacional do posto de combustível adicionado do seu lucro.

 

Em anexo a esta Nota Técnica está demonstrada a evolução mensal dos preços em um litro de gasolina, bem como a cobrança dos principais tributos. O estudo foi elaborado com base nas informações obtidas na base de dados das notas fiscais eletrônicas emitidas no Estado do Ceará, no período de 01/01/2021 a 31/08/2021, sobre os quais realizamos os seguintes comentários:

  1. Segundo os dados apresentados, deduzimos que o aumento do preço da gasolina foi motivado pelos reajustes que ocorreram no preço de venda da refinaria sem tributos, na ordem de 53,35% em 31/08/2021, cujo valor de venda foi de R$ 2,7230, comparado com o valor da venda em 01/01/2021, que era de R$ 1,7757;
  2. Qualquer que seja o percentual de adição do álcool anidro na gasolina, autorizado pelo órgão competente, não interfere, sob hipótese nenhuma, no preço de venda da refinaria.
  3. Os tributos federais não foram majorados no período;
  4. Foi mantida a carga tributária do ICMS com alíquota de 29% sobre o valor de venda do produto. Claro está que se o preço de venda aumenta o valor do ICMS aumenta na mesma proporção. Situação semelhante e basilar à incidência deste imposto sobre qualquer mercadoria sujeita à sua tributação, não apenas ao produto gasolina;
  5. O ICMS cobrado por substituição tributária consiste em mera parcela da sua carga tributária total, assim, aumenta ou diminui de acordo com a diferença entre o preço de venda da refinaria com tributos e o PMPF;
  6. Não ocorreu expansão das margens praticadas pelo distribuidor e pelo posto de combustível;
  7. O preço médio ponderado ao consumidor final (PMPF), não foi aumentado na mesma proporção do preço da refinaria sem tributos devido aos fatos descritos nos itens 2, 3, 4 e 5 acima. Enquanto o preço da refinaria sem tributos aumentou 53,35%, o ICMS total cobrado aumentou 25,27%, e o preço pago pelo consumidor na bomba só aumentou 23,71%.

Dito isto, cabe a Petrobras, principal refinador de petróleo do mercado brasileiro, postar-se de maneira mais realista, condizentes com os fatos em curso e utilizar os meios públicos para esclarecer o consumidor brasileiro dos verdadeiros motivos que elevaram o preço da gasolina vendida no mercado local.

A metodologia adotada nesta nota poderá ser utilizada para análise do aumento de preços do óleo diesel e do gás de cozinha. 

ANEXO

COMPOSIÇÃO DO PREÇO DE UM LITRO DE GASOLINA (R$)

 

mnb

Fonte: Os dados foram obtidos através da base dados da Nota Fiscal Eletrônica (NF-e) e nos sistemas coorporativos da SEFAZ/CE, compreendendo:

  • (A) Preço da Refinaria sem Tributos: Preço médio de venda da gasolina na refinaria subtraído os tributos federais e o ICMS, obtidos na base de dados da NF-e
  • (B) Tributos Federais: Composto dos valores relativos a CIDE, PIS e COFINS cobrados na gasolina;
  • (C) Alíquota do ICMS: Percentual cobrado sobre a venda da gasolina;
  • (D) ICMS Devido pela Refinaria: Valor do ICMS devido na venda da gasolina na refinaria. (D) = (E) x (C);
  • (E) Preço da Refinaria com Tributos: (E) = (A) + (B) + (D);
  • (F) Base de Cálculo do ICMS ST (PMPF): Preço Médio Ponderado a Consumidor Final (PMPF), estabelecido em ATO COTEPE, divulgado no sítio: https://www.confaz.fazenda.gov.br. Sobre esse valor foi embutido o Fator de Conversão de Volume (FCV)
  • (G) ICMS Substituição Tributária: Parcela do ICMS devido nas etapas subsequente até o consumidor tendo como base de cálculo o PMPF. (G) = (F) x (C) – (D);
  • (H) ICMS Total Cobrado: Carga tributária total embutido no litro de gasolina. (H) = (D) + (G);
  • (I) Custo + Lucro (Distribuidor e Posto): Média dos custos operacionais e despesas com o álcool anidro adicionado dos lucros auferidos pela distribuidora e pelo posto de combustível. (I) = (J) – (E) – (G);
  • (J) Preço Médio Ponderado na Bomba: Preço médio ponderado efetivo pago pelo consumidor final na bomba dos postos de combustíveis, obtido na base de dados dos cupons fiscais eletrônicas;
  • (L) Alíquota Efetiva do ICMS: Percentual efetivo do ICMS incidente sobre o preço médio ponderado pago pelo consumidor final na bomba dos postos de combustíveis. (L) = (H) / (J) x 100.

Variação: Variação percentual entre os preços praticados em 01/01/2021 e 31/08/2021.

*OBS: Foram considerados os preços médios praticados no primeiro faturamento da refinaria em janeiro de 2021.

Autores
Lorrance Abreu Gondim
Fernando Antonio Damasceno Lima
Maria Adriana Pereira Vieira
Joselias Lopes Santos Filho
Tributação Combustíveis Impostos ICMS
Arquivos