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Prerrogativas do fisco estadual em ações fiscais e de monitoramento na Lei 18.665/2023

As ideias defendidas nos artigos publicados neste Blog são de responsabilidade dos autores e não necessariamente refletem a posição institucional da Auditece.

 

Publicado em: 11/04/2024

Prerrogativas do fisco estadual em ações fiscais e de monitoramento na Lei 18.665/2023

Considerando o escopo da nossa abordagem sobre as mudanças trazidas pela nova Lei do ICMS, iniciamos esta série destacando as aparentemente simples, mas substanciais, alterações nas prerrogativas dos auditores fiscais, quando do desenvolvimento das ações fiscais e de monitoramento.

Dentre as modificações afetas a essas atividades, ressalta-se a obrigatoriedade da prestação de informações não relacionadas diretamente com o ICMS, a aplicação subsidiária da legislação federal e a autorização para exame de controles extrafiscais.

 

1. Obrigatoriedade da prestação de informações não relacionadas diretamente com o ICMS

O art. 82 da Lei 12.670/96 obrigava as pessoas físicas e jurídicas nele enumeradas a prestar informações ao fisco ou a entregar livros e documentos de natureza comercial ou fiscal, desde que “relacionados com o ICMS”.

Lei 12.670/96

Art. 82. Mediante intimação escrita, são obrigados a exibir ou entregar, conforme o caso, mercadoria, documentos, livros, papéis ou arquivos eletrônicos, de natureza fiscal ou comercial, relacionados com o ICMS, bem como prestar informações solicitadas pelo Fisco

 

A expressão sob aspas era usada como justificativa para a recusa em fornecer elementos informativos necessários aos levantamentos fiscais e contábeis, por não se referirem, direta e exclusivamente, a obrigações acessórias derivadas da legislação do imposto estadual, conforme entendimento esposado por parte de alguns contribuintes, seus advogados e contadores.

Essa interpretação limitava a prerrogativa do fisco de examinar documentos necessários à coleta e cruzamento de informações essenciais à aplicação de algumas técnicas de levantamento do movimento tributário, a saber, valores relativos a custos, despesas, desembolsos e recebimentos, tais como folha de pagamento, contratos de empréstimos, aluguéis e prestações de serviços, enfim, subsídios necessários ao cálculo e recolhimento de outros tributos.

                                                             

Lei 18.655/23

Art. 132. Mediante intimação, são obrigados a prestar informações solicitadas pelo Fisco, a não embaraçar a ação fiscalizadora, a apresentar ou entregar mercadorias, documentos, livros, papéis ou arquivos eletrônicos de natureza fiscal ou comercial, os quais envolvam, direta ou indiretamente, matéria de interesse da atividade de fiscalização:

 

Pois bem, no texto atual, positivado no Art. 132, evitou-se no caput do dispositivo a referida expressão, afastando, a nosso ver, a restrição pretendida pelos contribuintes e conferindo aos agentes do fisco um acesso muito mais amplo às fontes informativas dessa natureza, desde que, “envolvam, direta ou indiretamente, matéria de interesse da atividade de fiscalização”, segundo a dicção legal.

Aliás, essa obrigatoriedade sempre existiu. De acordo com o Art. 226 do Código Civil e com as Normas Brasileira de Contabilidade de Contabilidade, mais precisamente a Interpretação Técnica Geral (ITG) 2000, os registros contábeis só terão valor probante em favor do contribuinte se lastreados por documentação hábil e idônea, razão pela qual a exibição desses livros ao fisco trazia ínsita a obrigatoriedade de comprovar os lançamentos neles assentados. Isto posto, a nova lei apenas ratifica de forma explícita a compulsoriedade da aplicação dessas normas nacionais no âmbito da legislação estadual.

Observe-se, ainda, que a nova redação também não contemplou apenas a modalidade de intimação “escrita”, haja vista a supressão também deste termo, levando a entender, à primeira vista, pela necessidade da existência de intimações verbais, aplicáveis a algumas situações de premência ou de flagrante, típicas de determinados procedimentos fiscais, principalmente na fiscalização de mercadorias em trânsito.

No entanto, não é disso que se trata. Na verdade, a intenção é evitar um pleonasmo no texto legal, já que é notório na seara administrativo-tributária que toda intimação deve se dar por escrito. Houve, ainda, o propósito de evitar alegações de que o termo “escrita” restringiria a requisição de informações pelo fisco, que só poderia ser feita mediante termos lavrados em papel, excluindo-se, portanto, a possibilidade do uso dos meios digitais como o correio eletrônico e o Domicílio Tributário Eletrônico (DT-e).

Outro aspecto interessante é o reforço a esta nova prerrogativa conferido pelo Art. 108, III, “a”, que faculta ao fisco a suspensão da inscrição cadastral, quando o contribuinte simplesmente, deixar de fornecer de informações sobre suas atividades econômicas, dentre outros motivos caracterizadores de embaraço à fiscalização.

 

Art. 108. A SEFAZ poderá suspender a inscrição do contribuinte no CGF quando:

(...)

III - embaraço à fiscalização, caracterizado por qualquer das seguintes formas:

a) negativa não justificada de exibição de livros e documentos a que estiverem obrigadas, bem como pelo não fornecimento de informações sobre bens, movimentação financeira, negócio ou atividade que estiverem intimadas a apresentar, e nas demais hipóteses que autorizam a requisição de auxílioda força pública;

 

Essa possibilidade, que pode ensejar até mesmo a cassação do CGF  (Art. 111), não existia na Lei 12.670/96, cujo Arts. 83 e 84, autorizavam apenas o lacre dos móveis e arquivos e a solicitação de auxílio policial. Já o Art. 102, I, do Decreto 24.569/97 e seu sucedâneo, o Art. 19, I, autorizaram a medida coercitiva sem, contudo, fazer menção à omissão ou recusa no fornecimento de informações.

 

Dever ser obedecido, todavia, o disposto no parágrafo único do Art. 132 , isto é, não se tratar de informação a ser mantida legalmente sob segredo pela pessoa intimada, em razão do cargo, atividade ou profissão.

 

2. Aplicação subsidiária da legislação federal

 

Outra nova regra importante, é a possibilidade de os auditores utilizarem, em seus levantamentos, a legislação tributária federal de forma subsidiária (Art. 152).

 A redação foi adaptada do Estado de Minas Gerais (Lei nº. 6.763/75, Art. 49) e será útil para tratar questões sem regulamentação na legislação cearense, a exemplo de saldos de ativos e passivos constantes em declarações de renda, critérios para reconhecimento de ativos imobilizados e para cálculos de depreciações quando do cálculo do custo dos produtos vendidos ou, ainda, para a separação de gastos como custos ou despesas, dentre outras aplicações, principalmente quando o contribuinte não registrar, fiscal ou contabilmente, tais informações relativas ao estabelecimento auditado.

 

3. Autorização para exame de controles extrafiscais

 

Por seu turno, os artigos 133 e 134 ampliaram as possibilidades de investigação, autorizando que sejam objeto de exame pelo fisco, sem necessidade de autorização judicial, os documentos não fiscais, as informações gerenciais e os chamados “controles paralelos” das operações e prestações.

Art. 133. As diligências necessárias à ação fiscal serão exercidas sobre documentos, impressos de documentos, papéis, livros, equipamentos, softwares e arquivos eletrônicos, de natureza fiscal ou comercial, inclusive meios extrafiscais, eletrônicos ou físicos, de controle de operações e prestações ou utilizados para registrar negócios e atividades econômicas ou financeiras, sendo franqueados aos servidores fazendários os estabelecimentos, depósitos, dependências, arquivos, móveis e veículos, a qualquer hora do dia ou da noite, se estiverem em funcionamento.

Art. 134. Para fins do disposto nesta Lei, presumem-se de natureza comercial quaisquer livros, documentos, papéis, efeitos comerciais ou fiscais, programas e arquivos armazenados em meio eletrônico ou em qualquer outro meio, pertencentes ao contribuinte

A depender, no caso concreto, da natureza da informação contida, tais registros, relatórios e documentos poderiam até mesmo servir de prova no processo tributário, desde que não obtidas com abuso de autoridade, como a violação do direito à intimidade ou de sigilo protegido por lei.

 

Entretanto, alguns desses elementos informativos deverão se prestar muito mais à caracterização de indícios a ensejar o aprofundamento da investigação por outros meios, como a análise de extratos bancários, sem necessidade de autorização judicial, e a consulta a fontes externas à empresa, como órgãos públicos, clientes e fornecedores.

 

Exemplos desses registros e documentos seriam os contratos de fornecimento de mercadorias ou prestação de serviços realizados sem formalidades legais, os controles detalhados de vendas, os apontamentos de gastos etc.

 

Vale lembrar que parte desse acervo extrafiscal caracteriza-se como documentação hábil e idônea a lastrear os registros contábeis e, nesse caso, passou a ser de apresentação obrigatória ao fisco estadual mediante intimação, como é o caso dos controles de desconto de títulos, dos relatórios de folha de pagamento, das planilhas de custo, dentre outras.

 

Importante aspecto a ser ressaltado, ainda, é a aplicação das regras supracitadas a fatos geradores pretéritos à publicação da Lei, consoante autorizado pelo Art. 144, §1º. do CTN:

Art. 144. O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada.

 

§ 1º Aplica-se ao lançamento a legislação que, posteriormente à ocorrência do fato gerador da obrigação, tenha instituído novos critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliado os poderes de investigação das autoridades administrativas, ou outorgado ao crédito maiores garantias ou privilégios, exceto, neste último caso, para o efeito de atribuir responsabilidade tributária a terceiros.

No próximo artigo, trataremos das alterações relativas às hipóteses de omissão de receitas.

 

Autores
ICMS Nova Lei do ICMS Ceará Impostos Tributação